domingo, 27 de junho de 2010

Sábado, 05 de junho de 2010

Se eu me arrependo de não ter tratado bem as pessoas digníssimas que passaram pela minha vida? Não creio que chega a ser arrependimento. Se faltei a elas em determinado período, foi porque eu não conseguiria agir de outra maneira e agindo de outra maneira não seria eu, apenas um fingimento de ser alguém outro. E será que eu tenho vontade de demonstrar a essas pessoas que não sou aquele antigo das bravatas oblíquoas, dos narcisismos esporádicos e preconceitos incabíveis? Não, não há esforço de minha parte para demonstrar isso. Agindo dessa maneira eu estaria igualmente fingindo ser outro. Todavia, querer buscar desesperadamente a aceitação alheia é o mesmo que tentar intervir na liberdade de escolha das pessoas. Aceito que me tratem mal, que me tratem com desprezo, que não me tratem até, conquanto quem está mais habilitado para julgar se está-se ou não enganado em relação a outro é a própria pessoa que julga. Esteja ela certa ou não, não cabe a mim decidir.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Descartes e o método

Que fique claro, antes de dar início à escrita, que não intento com ela subverter qualquer comportamento de quem porventura a leia, tanto quanto não concluo o meu como digno de ser aceito singular e superior a outro (é apenas meu, nada mais). Intento sim, unicamente, expor algumas observações e conclusões acerca dessas observações. E se escolhi exprimi-las usando o sujeito na primeira pessoa, faço por preguiça de criar uma personalidade nova e por despudor em usar a minha própria.

É recorrente ressaltar que, na juventude que desfruto desses primaveris 24 anos, não tenho tanto conhecimento e experiência que me permita tomar qualquer corrente de pensamento como verídica e capaz de me tornar seu fiel seguidor; não me permito fazer senão o uso da verossimilhança quando impulsionado a debater. Talvez eu até poderia ter algum conhecimento específico que pudesse afirmar meu se minha criação fosse voltada a tanto; ainda assim é igualmente questionável o fato de, fosse designado a essa criação específica, eu estar ou não numa posição melhor do que essa que me encontro hoje. Tanto tenho como verdade essas afirmações em relação a minha experiência como (atrevo-me) em relação a de todos que me circundam a idade.

Para ser considerado concreto, o conhecimento deve ser acompanhado, enquanto é absorvido, por questionamentos (por simples que sejam) e reflexões acerca de sua essência e validade racional e lógica. E por acreditar que o pensamento segue esse tortuoso trilho escolhi assimilar minha existência - enquanto não alcanço uma verdade, mesmo que ínfima - ao método cartesiano. Digo com isso, sobretudo, que para alcançar meus objetivos não vou ramificar por demais os caminhos possíveis fazendo nascer vias que não tenham nascido senão da minha razão. E não aceitar como verdadeiros para mim os caminhos escolhidos por outrem - posto que não sou capaz de controlar meu cérebro para tornar verossimilhanças alheias irrelevantes depois que essas se fazem cientes.

E se torno essas observações públicas, faço para expô-las a toda sorte de divergências. Portanto, caro leitor, não se acanhe em arguir tais subterfúgios.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Diário de viagem - Antônio Cândido

"Como se a rotina atual fosse nula (e ela de fato é) vivo de reminiscências. Minha memória é meu mundo real. Do princípio da consciência enquanto ser consciente até o momento de minha derrota enquanto ser vivo; tudo quanto falhei em relação a expectativas dos dias atuais reviro como se novo aos meus olhos fosse. E hei de encontrar assim o caminho dos meus dias futuros em que estarei a revirar os dias atuais buscando significado concreto qualquer."

Trecho retirado de um dos diários de viagem de Antônio Cândido, escrito enquanto percorria de trem os 420km da vila onde nunca esteve até a cidade onde nunca estará.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Diálogos

Começo antecipando a notícia de que o sentido que supostamente pode ser pescado do que vem a ser escrito aqui não existe na realidade.
Não, calma lá companheiro, claro que existe. Se eu interpreto e chego a alguma conclusão, seja ela abstrata ou não, a sua inexistência é uma irrealidade.
Não me venha com alusões. Quero fatos.
Pois o que digo são fatos, não os compreende?
Não na minha inteireza de sentidos.
Ora, estás a balbuciar, não comece com suas intermitências subjetivas.
Se falo e ouço, sirvo a ti de interlocutor e bacamarte.
Faça o favor de voltar a realidade, pois? Estou aqui a manter uma conversa lógica e racional e você a conjecturar fantasias. Sejas digno, homem.
Pois recolha-te a ti não mais que primaveras e auroras, recolha-te ao leito e não retorne até dizer-me o que deveras almeja.
Às favas, maldito!
Tenha uma boa noite o senhor também e que assim seja e até mais ver.

domingo, 21 de março de 2010

O campo

Um homem, no campo de sua juventude distante, se recorda, com brava lembrança, de sua vida ali vivida. Todas as batalhas que outrora lhe moldaram o ser, todos os refazeres e revoltosos ímpetos.
E esse homem, ao campo, é nada mais que meu próprio reflexo transmitido a mim por eu mesmo de um tempo longínquo e distante de muitas outras vidas além e aquém dessa que vos transmite essas reflexões.
Embora outro, havia ali, em seu subconsciente, todas as centenas de primaveras porventura registradas.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Um inverno novo

O chá no fogo te trouxe de volta. Mas ele nunca seria capaz de te fazer esquecer tudo que houve outrora. Não, nada poderia fazer disso um fato, ou um fardo.
As passagens continuam arquivadas na caixa antiga de lembranças, nunca visitada depois daquela tempestade. Os ouvidos ouvem mas não captam nenhuma mensagem. É sempre assim. E o veludo novo se rompe e já não se faz tão novo.
Que saudade ele estava do inverno cinza e renovador! Que saudade!
Tão ínfimo entre seus iguais que não consegue descobrir maneira saudável em se destacar. E, enfim, descobre que não existe nenhum motivo para se destacar sem causar algum prejuízo maior para si mesmo.
Pensamentos se sobrepõem, pessoas se sobrepõem e o mundo não parece ser aquele que sempre foi e a cada ano que passa isso se faz mais novo e mais surpreendente. A vida, afinal, nunca foi aquilo que se julgou ser, muito menos em um momento como esse.
O livro se abriu por vontade própria e se fez destacar a seguinte sentença "você nunca será o mesmo que foi no momento anterior a esse". E essa sentença se tornou todo o sentido da vida até completar os 80 anos joviais que agora não demonstram ter tanta aflição de proximidade do fim com que sempre houve.
Agora, aos 80, se sente revigorado e pronto para a nova vida que possa surgir no desconhecido.